Desde
sempre que tira fotografias. Alfredo Cunha, fotógrafo em "início
de carreira" testemunhou e imortalizou acontecimentos como o 25 de
Abril e a descolonização. Foi editor de fotografia do Público
durante nove anos e tem neste momento diversos projectos em curso. Tantos
que não sabe se vai ter tempo de os acabar a todos. Chateia-se
com a fotografia todos os dias, mas diz que fazem logo as pazes.
Tornou-se fotógrafo por vocação ou obrigação?
Eu não queria ser fotógrafo, fui obrigado pelo meu pai que
era fotógrafo.
E gostava?
Eu odiava, por causa disso não podia ir para a rua, não
podia vadiar. Aprendi a gostar de uma maneira muito engraçada,
quando tinha para aí 15 ou 16 anos comecei a perceber que se tirasse
umas fotografias às amigas acertava muito melhor, então
comecei a utilizar a fotografia como técnica de engate. Até
que um dia fui fazer uma viagem à boleia para a Suécia com
uma amiga minha, quando regressei e percebi a merda de país em
que a gente vivia fiquei horrorizado.
Na altura aonde vivia?
Nessa altura vivia em Amadora, Lisboa, num bairro muito complicado, com
muitos proletários, muitas fábricas, e quando eu chego começo
a fotografar furiosamente aquilo, aí já começo a
fazer fotografia com preocupação social, entrei em movimentos
de esquerda, estive ligado a movimentos de oposição, do
25 de Abril.
Isso em que ano?
71,72..
Era muito novo..
Era. Aos 18 anos era repórter fotográfico do jornal Século
que era um dos jornais mais importantes do país.
No 25 de Abril era um fotógrafo ainda um pouco inexperiente.
Sim, estava há dois anos no Século, tinha 20 anos.
No seu livro diz que gastou 40 rolos e se fosse hoje gastava 400.
Provavelmente. Sonho com isso. Tenho um pesadelo frequentemente que estou
no 25 de Abril e não tenho rolos para fotografar. E tenho outro
pesadelo com o meu pai. Sonho muito com o meu pai. Ele a dizer que eu
sou estúpido por ter fotografado pouco.
Qual foi a pessoa que mais gostou de fotografar?
Não sei, mas tornei-me amigo de algumas pessoas que fotografei
muito. Fotografei durante muito tempo o Dr. Mário Soares e gostava
de o fotografar, ele tanto estava bem num bairro da lata como num palácio.
Como é que surgiu o convite para ser o seu fotógrafo
oficial?
Porque fiz um cartaz para o Freitas do Amaral que era o seu principal
rival e ele gostou muito e então disse que "o melhor era contratarem
o gajo". Depois ficamos muito amigos e continuo a ser o fotógrafo
dele.
Queria que me falasse um pouco da cultura portuguesa face ao fotojornalismo.
O fotojornalismo é uma coisa que não existe culturalmente.
Quer dizer, existe, é bom mas não é reconhecido.
Aliás, nós temos um centro português de fotografia
que não reconhece o fotojornalismo.
Isso não é um bocado estranho?
E ainda mais estranho é quando a pessoa que dirige aquilo é
uma pessoa extremamente competente que é a Teresa Siza mas de facto
tem aquela posição unilateral de não reconhecer o
fotojornalismo.
Temos bons fotógrafos em Portugal, não temos é mercado
que estimule o aparecimento de mais qualidade. Não se faz reportagem,
fazem-se fotografias redundantes e que não acrescentam nada à
informação. Ilustrações puras e simples.
De todas as viagens que fez, qual foi a mais marcante?
À Roménia. Uma reportagem para o Público sobre os
orfãos de Ceausescu, foi um trabalho alucinante, eram orfanatos
cheios de crianças com 12, 13 anos que nunca tinham visto a luz
do dia e de repente eles soltaram aqueles miúdos, era uma coisa
louca.
Envolve-se muito nas situações?
Antigamente não me envolvia, agora envolvo-me muito nas situações
desde que tenho as minhas filhas. Nesse trabalho envolvi-me porque os
miúdos queriam-nos tocar, eram tão maltratados que quando
perceberam que não os iam maltratar queriam tocar nas pessoas,
fazer-lhes festas e se lhes fizéssemos festas passavam-se, pareciam
animais.
Esse foi o trabalho que mais me marcou. O trabalho que eu considero mais
importante foi sobre a descolonização porque percebi que
estava ali uma tragédia, que ia mudar tudo, que iam morrer milhares
de pessoas.
Voltou a África depois?
Muitas vezes. Para fazer golpes de Estado, visitas de Estado.
O que é que gosta mais de África?
Não posso dizer.
Qual é o seu fotógrafo preferido?
O meu fotógrafo preferido são para aí dez. Eugene
Smith, Cartier-Bresson, Willy R., Fernando Scianna, o James Natchwey,
Eugene Richards e uma fotógrafa espanhola chamada Cristina Garcia
Rodero e o Koudelka. Em primeiro punha talvez o Philip John Grifith, fotógrafo
de guerra. Mas o único fotógrafo importante na minha vida
foi o meu pai.
É muito importante ter referências?
É muito importante ter referências, ter uma posição
política, eu politicamente estou completamente à esquerda.
Alguma vez se chateou com a fotografia?
Todos os dias. Como com as minhas filhas e depois fazemos logo as pazes.
Qual o seu projecto fotográfico mais importante?
Considero o mais importante o do Público.
Quanto tempo esteve no Público?
Fui editor no Público durante nove anos.
Porque é que saiu?
Tinha passado o tempo. Eu tenho uma virtude que é ter uma boa noção
do timing das coisas. Tenho algumas saudades mas obriga-me a ter uma agilidade,
a procurar outras coisas que não procuraria se estivesse lá.
Eu era editor fotográfico e ser editor fotográfico era tão
importante que até me incomodava.
Pela responsabilidade?
Pela formalidade que aquilo estava a tomar. Ninguém me contestava
ou ousava discutir comigo que é uma coisa inacreditável.
Quando percebi que as coisas estavam assim percebi que era tempo de sair.
Antes que os outros nos contestem contestamo-nos nós.
Tem boas memórias da sua infância?
Tenho. Tive uma infância fantástica. Vivi na província
e foi por isso que eu vim viver para aqui, para dar às minhas filhas
a mesma oportunidade. Era uma criança muito livre.
Tem muitas fotografias da sua infância?
Tenho. E as minhas filhas inventaram um personagem que é o Alfredinho,
que sou eu quando era pequeno, elas vêm as fotografias e riem-se..
O que é que mais o irrita?
A estupidez, a ganância, a inveja.. é por isso que me irrita
esta nova situação, este neoliberalismo que é uma
ganância sem sentido nenhum. Irritam-me as pessoas que são
incapazes de ter um pingo de generosidade, aquelas que nunca dão
uma esmola.
Qual é o seu maior pecado?
Tenho muitos pecados mas são inconfessáveis.
Entre o início e o fim em que ponto está a sua carreira?
No início. A minha carreira está completamente no início,
agora é que começo a saber alguma coisa para iniciar uma
carreira de fotojornalista e digo isto convictamente.
Pode-se começar a ser fotógrafo aos 50 anos?
Eu quero ver se começo agora. Faço 50 anos em Outubro e
quero começar.
|
|